‘Repensar funcionamento do Estado é crucial para retomar crescimento’, diz Pérsio Arida

25 de junho de 2021 - 16:49

A pandemia de covid-19 trouxe novos desafios aos governos e agravou problemas que vinham sendo enfrentados por nações como o Brasil há alguns anos, como o desemprego e a baixa produtividade. Contornar essa situação e voltar a crescer de forma consistente e sustentável envolve uma série de questões, entre elas, o papel do Estado e o modo como ele funciona, que é capaz de impulsionar outras mudanças relevantes para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil. A avaliação é do economista Pérsio Arida, ex-presidente do Banco Central do e um dos idealizadores do Plano Real, que participou, nesta sexta-feira (25), do webinar “Desafios das políticas públicas depois da epidemia”, realizado pelo Observatório do Federalismo Brasileiro (OFB), vinculado à Secretaria do Planejamento e Gestão do Ceará (Seplag). O evento foi mediado pelo secretário executivo de Planejamento e Orçamento da Seplag, Flávio Ataliba, e teve como debatedores o secretário do Planejamento e Gestão do Ceará, Mauro Benevides Filho, e a doutora em Economia e responsável pela elaboração dos cenários macroeconômicos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE), Sílvia Matos.

“Para falarmos sobre a reconstrução do Brasil pós-pandemia, vamos nos deslocar para pós-2022 e imaginar que temos um bom governo, um presidente com ideias corretas e com aprovação. Nesse cenário, vamos nos perguntar quais são os desafios. A lista é enorme e inclui pontos como o redesenho dos programas sociais para a redução da desigualdade; o trabalho no que faz diferença no longo prazo, como saúde e educação; e o desafio econômico, que se desdobra em vários campos: tributário, dívida pública, desigualdade, produtividade etc. Um debate que precisa ser feito e que é pré-condição do desenvolvimento é que o Estado funcione bem, que esteja voltado para as necessidades do cidadão, avalie seus projetos, seja próspero no sentido de ser capaz de responder aos anseios da população, seja livre dos lobbys privados e que não possa ser freado por questões jurídicas. Assim, a reforma administrativa é importantíssima”, analisou Pérsio Arida.

Conforme o economista, outro ponto importante para melhorar o funcionamento do Estado diz respeito à confiabilidade dos contratos, o fato de um contrato poder ser executado rapidamente e sem grande controvérsia. “Celeridade e capacidade de execução dos contratos fazem a diferença”, garantiu, acrescentando que também é necessário observar a complexidade tributária e, consequentemente, a complexidade jurídica associada a ela. “Isso cria grandes incertezas. Se a gente não repensar o Estado latu senso, fica muito difícil avançar”, afirmou, enfatizando que enfrentar o desafio econômico requer repensar a administração pública.

Cautela

O secretário do Planejamento e Gestão do Ceará, Mauro Benevides Filho, trouxe para o debate os dados recentes da economia nacional, como o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do último trimestre, lembrando que é necessário cautela ao analisar o crescimento e as projeções para o próximo ano. “Eu me preocupo muito para onde vai o PIB em 2022, pois existem problemas graves que não estão resolvidos. Quando você decompõe o PIB pelo lado da demanda, o consumo das famílias corresponde a 62,7% e o consumo do governo a 20,5%. Se o endividamento das famílias não for resolvido, o crescimento do PIB será de voo de galinha. Preocupa-me muito que, em 2022, a gente trate novamente de baixo crescimento”, destacou.

Conforme Mauro Filho, o Brasil ainda possui um sistema tributário complexo que necessita ser transformado para que passe a ser mais simples, transparente e progressivo. “Precisamos retomar a confiança do investimento privado para trazermos mais capital para o crescimento. Não existe crescimento econômico sem a participação da iniciativa privada”, acrescentou.

Ajuste fiscal para garantir investimento

O secretário lembrou ainda que o ajuste fiscal é outro ponto importante para o avanço da administração pública, mas ainda precisa ser melhor comunicado à população. “O objetivo do ajuste fiscal é dotar o município, o estado e a união de condições para atender à demanda da população, melhorar a educação, investir em saúde, aumentar a estrutura da segurança pública etc. A razão do ajuste fiscal é ter dinheiro para investimento. É por isso que o Ceará se transformou e é hoje o estado do Brasil que mais investe em relação à sua receita corrente líquida”, disse Mauro Filho.

Ele defendeu que os investimentos devem ser retirados do teto de gastos da União, como ocorre no Ceará. “A União diz que cumpre o teto de gastos, mas faz isso cortando o investimento. Enquanto não se modificar e se impuser um teto de gastos, o Brasil continuará tento sua válvula de escape no investimento, que, eu sei, precisa ser bem aplicado. Esse investimento não deve ficar solto, mas acoplado a 80% do crescimento real da receita. O investimento público tem o efeito de atrair importantes investimentos privados”, afirmou.

Ciência para crescer

A pesquisadora do FGV IBRE, Sílvia Matos, reforçou a relevância de ter um Estado eficaz e baseado em evidências e estudos científicos e parabenizou o Governo do Ceará pelo uso do conhecimento acadêmico pela gestão pública para melhorar o retorno para sociedade e realizar investimentos que possibilitem a redução da desigualdade e a modernização do Estado como um todo.

Sílvia Matos também apresentou dados econômicos do Brasil para mostrar que a recuperação da economia é desigual entre setores e trabalhadores e, por isso, “o mundo que emerge pós-pandemia também deve continuar demandando mais políticas sociais e mais atuação do Estado, o que é um desafio não só para o governo atual, mas também para o próximo”.

Qualidade do investimento

Ao encerrar o webinar, o secretário executivo de Planejamento e Orçamento da Seplag, Flávio Ataliba, lembrou que o Ceará se destaca não apenas pelo maior volume de investimentos do Brasil em relação à sua receita corrente líquida, mas também por avaliar a qualidade e o retorno desses investimentos para a sociedade. Nenhum estado brasileiro tem um Centro de Análise de Dados e Avaliação de Políticas Públicas (Capp) como o que nós temos no Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica (Ipece) que avalia as políticas do Governo do Ceará. O governo federal também precisa avançar muito nesse aspecto”, concluiu.

O vídeo completo do webinar “Desafios das políticas públicas depois da epidemia” pode ser conferido no canal da Seplag no YouTube. Clique aqui e assista agora.