Proposta de reforma tributária com redução da arrecadação preocupa especialistas

16 de julho de 2021 - 16:41 # # # # #

A redução da tributação da renda de pessoas físicas em um contexto de desequilíbrio fiscal foi uma das preocupações apontadas pelos economistas Bernard Appy e Vilma Pinto durante o webinar “Os Impactos Econômicos da Reforma Tributária com as Alterações no Imposto de Renda (IR)”, realizado na manhã desta sexta-feira (16) pelo Observatório do Federalismo Brasileiro, vinculado à Secretaria do Planejamento e Gestão do Ceará (Seplag-CE), com apoio do programa Cientista-Chefe em Economia da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap).

Ao abrir o evento, o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal, destacou os principais pontos do Projeto de Lei 2337/2021, apresentado pelo governo federal para alterar a legislação do Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza das pessoas físicas e das pessoas jurídicas e da contribuição social sobre o lucro líquido. “Essa proposta tem três blocos principais. O primeiro deles é a mudança do imposto de renda para pessoas físicas. Basicamente, atualiza a tabela do IR para a pessoa física e, ao mesmo tempo, reduz a possibilidade do desconto simplificado de 20% que antes todo mundo podia usar. Agora, esse desconto deve ser só para quem tem renda anual de até R$ 40 mil, com desconto limitado a R$ 8 mil. Essas mudanças na tabela têm um custo estimado em R$ 21 bilhões, dos quais R$ 8 bilhões são compensados por essa limitação no desconto simplificado, dando um efeito agregado de R$ 13 bilhões. A tabela não é corrigida faz tempo, mas o ponto que eu coloco é que se você tem espaço fiscal para reduzir a arrecadação em R$ 13 bilhões, será que a melhor utilização desse espaço fiscal é mudando tabela em imposto de renda de pessoa física, em ano eleitoral, diga-se de passagem, ou é em outras iniciativas que podem trazer mais impacto no longo prazo, como a desoneração inteligente da folha de pagamentos? É uma questão de prioridade. Será que essa era realmente a prioridade para alocar recursos públicos?”, questionou o palestrante.

Sobre as mudanças na tributação de aplicações financeiras, ele explicou que elas incluem a homogeneização da tributação em aplicações financeiras, com a adoção de uma alíquota uniforme de 15% do IR para todas as aplicações, além de acabar com a alíquota decrescente em função do tempo que se mantinha o recursos aplicados. “No geral, essa ideia de homogeneizar é boa, assim como eliminar o tratamento diferenciado para algumas aplicações financeiras. O problema é que isso foi feito para fundo de investimento imobiliário e não foi feito para Certificado de Recebível Imobiliário, Letra de Crédito Imobiliário e Letra de Crédito Agronegócio, por exemplo. O ideal seria ter feito para todos”, avaliou.

Appy também comentou que a proposta do governo faz mudanças na tributação do lucro nas empresas, reintroduzindo a tributação na distribuição de dividendos, que deixou de incidir no Brasil desde 1996. “As principais mudanças são a redução de 5 pontos percentuais da alíquota na empresa, que passaria de 34% para 29%, e a eliminação de um mecanismo chamado juros sobre capital próprio. Eu não sou contra a tributação na distribuição de dividendos, mas entendo que o problema não está nisso. Essa mudança mitiga, mas não resolve o problema. Eventualmente, pode ter efeitos sobre os investimentos. A proposta do governo também estabeleceu o limite de isenção de R$ 20 mil por mês para a distribuição de dividendos de empresas com faturamento até R$ 4,8 milhões por ano. Essa proposta gera muitos efeitos negativos, como empresas se dividindo ou deixando de faturar para ficar dentro desse limite de faturamento”, disse, acrescentando que o relator do projeto na Câmara dos Deputados apresentou algumas mudanças na proposta do governo federal, mas criticou essas alterações.

Consequências e impactos para estados e municípios

“A forma como o relator fez as mudanças tem consequências serias do ponto de vista fiscal. Tem o efeito líquido de reduzir a carga tributária em R$ 30 bilhões. Todo mundo está dizendo que o Brasil está em uma situação fiscal complicada. O governo federal está quase zerando o investimento público por conta do teto de gastos, aí, de repente, tira da cartola R$ 30 bilhões de redução de receita por ano para fazer mudanças no imposto de renda”, destacou Bernard Appy. “O consenso é que, no Brasil, o consumo e o salário são muito tributados, enquanto a renda e o patrimônio são pouco explorados. Não tem sentido reduzir R$ 30 bilhões da carga tributária no Brasil. Não seria melhor alocar esses R$ 30 bilhões em outra coisa, como transferência de renda e desoneração na folha de pagamento?”, indagou.

Conforme Appy, a forma como o relator apresentou a proposta faz com que essa redução de R$ 30 bilhões na arrecadação impacte principalmente os estados e os municípios brasileiros, tendo em vista que parte do imposto de renda vai para o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Ele também ponderou que a mudança na tabela do imposto de renda reduzirá o imposto retido na fonte e lembrou que o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz) estima que estados e municípios terão uma perda de R$ 27 bilhões com a reforma tributária, dos R$ 30 bilhões de arrecadação que devem ser reduzidos.

“Essa proposta de reforma tributária tem um impacto federativo absolutamente injustificável. É necessário mexer no sistema de tributação no Brasil, mas temos que fazer isso da forma mais eficiente e mais neutra possível, e, obviamente, tornando o sistema tributário mais progressivo do que ele é hoje. Esse é o desafio que temos. Não dá para fazer isso de uma forma precipitada e sem entender quais os problemas que precisamos enfrentar para melhorar a tributação da renda no Brasil”, destacou.

Cenário

 

A economista Vilma Pinto, que participou como debatedora do webinar, ponderou que o Brasil vive um cenário de déficit fiscal primário desde 2014 e que o ajuste fiscal no País tem sido difícil e que algumas medidas podem anular os pequenos avanços observados. Ela também chamou a atenção para a composição da carga tributária brasileira, que é muito elevada se comparada a outros países.

“A gente tem uma carga tributária compatível com economias avançadas. Isso tá muito relacionado com a nossa estrutura de gastos. O nosso nível de carga tributária acompanha um pouco as necessidades da sociedade, mas a nossa carga tributária é muito maior, proporcionalmente, em tributos sobre consumo e sobre folha de salários, e menor na tributação da renda. Criar incentivos, medidas que aumentem ainda mais a parcela de tributação do consumo e da folha e reduza ainda mais a tributação da renda aumenta ainda mais essa questão da regressividade, pensando no ponto de vista de tributação”, avaliou.

Ela também falou sobre o impacto que a proposta de reforma, se aprovada, pode ser para os estados e municípios, podendo afetar, inclusive, o cumprimento de algumas competências. “Quando a gente discute reforma tributária, temos que pensar não só em quanto cada ente vai ganhar ou perder com a reforma, mas com as suas competências e responsabilidades com alocação de recursos. Se a gente não equilibrar isso, a gente pode aumentar as distorções. Se a gente reduz a parcela de recurso que vai para estados e municípios, a gente tem que calibrar responsabilidades”, ponderou.

Webinar

O webinar foi moderado pelo economista Maurício Benegas, coordenador do projeto Cientista-chefe em Economia da Funcap, vice-coordenador e professor do Programa de Pós-Graduação em Economia do CAEN/UFC.

O vídeo completo do webinar está disponível no canal da Seplag no YouTube e pode ser visto clicando aqui.