‘Nossa situação fiscal é gravíssima’, adverte economista Felipe Salto

10 de maio de 2021 - 12:09

TEXTO: Luiz Pedro Bezerra Neto / Ascom Seplag

“Nossa situação fiscal é gravíssima. E não há uma solução endereçada para isso”. A advertência foi feita pelo economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente, ao participar do webinar “O desafio fiscal da União e dos estados brasileiros”, realizado na última sexta-feira (7) pelo Observatório do Federalismo Brasileiro (OFB), vinculado à Secretaria do Planejamento e Gestão do Ceará (Seplag-CE), e transmitido pelo YouTube.

Segundo ele, “perdeu-se muito tempo com a PEC Emergencial, e o orçamento desse ano colocou ainda mais tempero nesse caldo amargo, produzindo uma situação muito complicada, que não se resolve em um ano. Vamos levar provavelmente até 2024 ou 2025 para restabelecer um quadro de sustentabilidade da dívida”.

O debate durou duas horas e meia e contou também com a participação dos secretários Mauro Benevides Filho, do Planejamento e Gestão (Seplag), e Fernanda Pacobahyba, da Secretaria da Fazenda (Sefaz). O moderador foi o professor Maurício Benegas, coordenador do projeto Cientista-chefe em Economia/Funcap e vice-coordenador e professor do Programa de Pós-Graduação em Economia do CAEN/UFC.

Ao abrir o debate, Benegas afirmou que o tema “trata de um assunto polêmico, atual, e de enorme relevância para o futuro do nosso país. A economia brasileira enfrenta hoje enormes dificuldades em vários setores. Mas uma questão que toca em quase todas as problemáticas que enfrentamos hoje é, sem dúvida, a situação fiscal”. Ele citou ainda que é “uma situação delicada, não apenas do ponto de vista fiscal propriamente dito, mas também para dar solidez e fundamentação necessárias para se atingir objetivos no campo econômico no tocante ao desenvolvimento e crescimento do país e no tocante às questões sociais”.

Ao iniciar sua apresentação, Felipe Salto falou da Instituição Fiscal Independente (IFI). “Temos participado desses eventos sempre com intuito de divulgar um pouco as ações que realizamos. A Instituição tem por objetivo dar transparência às contas públicas e colaborar para a disciplina fiscal”. Felipe informou que o IFI já tem um reconhecimento importante da Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) que mantém uma rede internacional de IFIs.

Segundo Felipe Salto, “estamos vivenciando hoje uma situação em que as regras fiscais são múltiplas, mas sozinhas elas não têm produzido um resultado fiscal de uma política austera, no sentido de buscar a sustentabilidade da dívida. E porque que esses resultados não estão sendo alcançados?”, questionou. Na avaliação dele, há regras, cada uma com seu objetivo, sem estar devidamente harmonizadas, como o teto de gastos que está na Constituição desde 2016, além da chamada Emenda 95, da Lei de Responsabilidade Fiscal, que acaba de completar 21 anos, da Emenda 109, recentemente aprovada chamada PEC Emergencial, e da regra de ouro das contas públicas.

Metas

Outro ponto refere-se ao período de 1999 a 2013, um momento em que a adoção de metas de resultados de superávit primário à época permitiu a redução sistemática da dívida liquida sobre o PIB. “A dívida bruta ficou estável praticamente no período porque outros objetivos de políticas econômicas foram sendo alcançados como acumulação de reservas internacionais que teve implicações fiscais sobretudo num componente da dívida chamado operações compromissadas do Banco Central. Mas o fato é que tivemos um período áureo de melhora da solvência fiscal da situação geral das contas públicas”, salientou.

Conforme Felipe Salto, “a adoção de práticas chamadas de contabilidade criativa, sobretudo no período de 2008 a 2014, distorceram esse quadro e esse sistema de metas e resultados primários, levando à adoção do chamado teto de gastos públicos em 2016 como uma resposta a essa situação grave das contas públicas que se apresentava naquele ano”.

Ele lembrou que o teto começou a valer a partir de 2017, mas só passou a ser uma restrição efetiva a partir de 2020 e 2021. “Só que a crise da covid-19, com a aprovação do chamado orçamento de guerra, outra proposta de Emenda à Constituição, garantiu a execução de R$ 524 bilhões no ano passado, sem que as metas fiscais e o teto de gastos, além da regra de ouro, tivessem sido afetados”.

Agora em 2021, a situação mudou. “Vimos a aprovação tardia do orçamento. A IFI calculou já em março que seria preciso um corte de quase R$ 32 bilhões para resolver os incrementos que foram nas despesas discricionárias no processo orçamentário ao longo da tramitação com a anuência do Poder Executivo”.

Avaliou que a revisão de despesas obrigatórias para baixo abriu um espaço artificial de R$ 26 bilhões que foi utilizado para aumentar emendas, que também refletiram demandas do Poder Executivo. “A solução para que o teto não fosse rompido foi o veto parcial ao orçamento combinado com um decreto de contingenciamento. Isso levou a uma situação em que nós reduzimos o risco de romper o teto, porque os cortes totalizaram R$ 29,1 bilhões, mas aumentamos o risco de paralização da máquina pública. Então, políticas públicas essenciais estão sob risco”.

Conforme Felipe Salto, “esse quadro alarmante produziu efeitos macroeconômicos não desprezíveis do ponto de vista da apreensão e da incerteza sobre os mercados, o que reduz as possibilidades de recuperação da economia, combinado com um quadro em que a vacinação está ainda muito lenta, o que afeta o desempenho da economia real”.

Ele revelou que a surpresa positiva foi o primeiro trimestre em que os indicadores têm apontado um desempenho melhor do que o esperado na atividade econômica, mas vamos crescer provavelmente em 3% neste ano. “É um desempenho pífio. Temos um grande desafio a superar nos próximos anos. E esse desafio se desdobra também para a situação fiscal dos estados em que nós continuamos com os mesmos problemas. Um desempenho com despesas de pessoal e previdência que vai espremendo a capacidade de investimentos, a paralisação do investimento público, onde os estados não conseguem ampliar os investimentos”, afirmou
Defendeu um novo plano fiscal de médio prazo que permita atender a esses problemas e essas questões federativas de uma maneira nova para produzir resultados diferentes do que temos colhido nos últimos anos.

Reforma administrativa

Em seguida, ele apresentou a situação fiscal dos estados por meio de gráficos, onde cada estado tem uma situação distinta. Durante a apresentação dos estados, Felipe defendeu uma reforma administrativa que permita alterar a dinâmica dos salários, da evolução dos servidores na carreira e das contratações no serviço público. “Precisamos aumentar a produtividade dos servidores, criar regras de evolução na carreira ligadas à avaliação de desempenho e permitir a entrada com salários mais baixos para que possa gerar um incentivo para progressão na carreira”, defendeu.

Controle de despesas

O secretário da Seplag, Mauro Benevides Filho, manifestou ser um privilégio participar de um debate sobre um assunto da maior relevância para o País, estados e municípios, inclusive com a participação do economista Felipe Salto, que dirige o IFI, “uma instituição reconhecida nacional e internacionalmente”.

Parabenizou a secretária Fernanda Pacobahyba pela ampliação do rigor fiscal. ‘Seu trabalho tem sido indispensável para que o governador Camilo Santana possa estar à frente de um governo que, ao longo dos anos, se tornou o maior investidor do Brasil, quando se vê investimento sobre receita corrente líquida”.

O titular da Seplag iniciou avaliando o controle das despesas primárias. “O Brasil é cheio de regras de controle de despesas primárias. Tem teto do gasto, LRF, Emenda Constitucional 109, regra de ouro, mas não existe nenhuma ação em relação ao governo federal para controlar dívida pública”, disse. E fez uma comparação com o que ocorre nos EUA. “Lá, tem teto de dívida e, quando é alcançado, o Congresso, obrigatoriamente, tem que ser ouvido. As coisas param, os pagamentos deixam de acontecer e não é só no financeiro. O governo simplesmente fecha”.

“Aqui não há nenhuma regra sobre endividamento do setor público federal para que possamos ter conhecimento do que isso efetivamente representa. E é porque, no Senado, há vários projetos de resolução para definir isso. Infelizmente, o sistema financeiro e o Banco Central não deixam ser votado”, criticou.

Teto dos gastos

Outro ponto abordado pelo secretário Mauro Benevides Filho foi a questão do teto dos gastos. “Quando se fala em teto do gasto é preciso saber que aqui só se leva em conta despesa primária. Quando se apura o resultado primário no Brasil, só se leva em conta essas despesas. No debate do orçamento, só se discute despesa primária. O orçamento da União não é R$ 1,5 trilhão. São R$ 4,2 trilhões. O orçamento não é formado apenas pelas despesas primarias. É de R$ 4,2 trilhões porque estamos tratando de despesas financeiras. A União está maquiando suas despesas primárias para passar números que são falsos”, revelou.

Mauro Benevides Filho analisou ainda o modelo adotado pela União para comparativos de gastos dos estados com pessoal. “Por exemplo, temos 16 estados que não contabilizam o déficit da Previdência como gasto de pessoal. São Paulo é um deles”, apontou. Mas, conforme o próprio secretário, “essa comparação poderá ser feita agora a partir de maio, porque quando relatei a Lei Complementar 178, lá está definido o que é gasto de pessoal”, destacou. Segundo ele, hoje tem estado que não incorpora nem inativo, nem pensionista. “Tem estado gastando 41% da Receita Corrente Líquida, mas, no fundo, gasta 79%. Você engana no relatório de gestão fiscal, mas não engana o caixa”, revelou. “Agora sim a apuração com gasto de pessoal terá uma padronização”, assegurou.

Dívida pública

Por fim, o secretário da Seplag abordou a questão da dívida pública dos estados com a União. Revelou que, do total de R$ 600 bilhões que os estados devem à União, 84% desse montante têm quatro entes como devedores: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. “O Ceará não deve quase nada e nunca foi ao Supremo Tribunal Federal para suspender o pagamento dessa dívida”, garantiu Mauro Benevides Filho.

Segundo o titular da Seplag, em 2016, o Rio de Janeiro foi contemplado com regime de recuperação fiscal, com um longo período de mais de 10 anos e nenhuma penalidade. “No período de 2017 a 2019, a União pagou para o Rio de Janeiro R$ 61 bilhões”, informou. Segundo ele, agora com a Lei Complementar 178, os estados terão que começar a pagar logo no primeiro ano. “Em nove anos, a União vai pagar para Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul um total de R$ 225 bilhões”, acrescentou.

O secretário da Seplag fez questão de esclarecer que não quer perseguição aos estados devedores. “Pelo contrário, quero é que todos possam se ajustar. Agora o estado que faz o dever de casa, como o Ceará, não tem nenhuma condição a mais para poder receber maior volume de recursos da União”.

Além da teoria

Doutora em Direito Tributário e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), a secretária da Fazenda, Fernanda Pacobahyba, iniciou sua participação agradecendo ao secretário executivo do Planejamento e Orçamento da Seplag, Flávio Ataliba, pelo convite para participar do webinar.
Ela parabenizou o economista Felipe Salto pela atuação na IFI. “Ao longo do tempo, vimos muitas publicações, trabalhos de doutorado, e que ficavam muito no aspecto teórico, mas sem observar a realidade pragmática e desconectando-se de outras ciências. O IFI tem esse mérito de trazer também relatórios de vocês que são verdadeiras aulas, tornando pragmática a ciência econômica”. afirmou.