“O pior agravante é ignorar o sofrimento do outro”: especialista alerta sobre saúde mental
4 de janeiro de 2022 - 10:32 #Ansiedade #Ceará #Depressão #Insônia #Saúde Mental #Sintomas
Assessoria de Comunicação do HSM - Texto e foto: Milena Fernandes | Arte gráfica: Brauliana Barbosa
A estigmatização das doenças mentais chama a atenção para um problema que persiste ao longo das décadas. No Ceará, o Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM), unidade da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), oferece à sociedade atendimento emergencial voltado para transtornos mentais graves, além de tratamentos ambulatoriais para os mais diversos distúrbios, internamentos e outros tipos de ocorrência.
No entanto, muitas pessoas ainda relutam em buscar assistência quando o assunto é saúde mental. O psiquiatra e diretor clínico do HSM, Helder Gomes de Moraes Nobre, afirma que os transtornos mentais devem ser percebidos como doenças físicas e que a falta de conhecimento é o que alimenta os estigmas. No primeiro mês do ano, aproveitando o período em que a população costuma traçar metas e objetivos, é realizada a campanha Janeiro Branco.
Confira a entrevista na íntegra:
Que atitudes ou sentimentos caracterizam a estigmatização da saúde mental?
A estigmatização da saúde mental envolve questões históricas, ou seja, pacientes com transtornos psiquiátricos graves sempre foram tratados de forma segregada, isolados da sociedade, vistos como loucos – a ponto de muitas pessoas não aceitarem um atendimento psicológico ou psiquiátrico por acharem que somente loucos devem procurar esse tipo de ajuda. Até a forma de chamar os pacientes de “loucos” envolve uma questão de estigma também. Existe a própria culpa do paciente, pois uma pessoa com problema psiquiátrico importante muitas vezes sente culpa por estar assim.
Dessa forma, recai o estigma sobre si mesmo, evitando procurar o atendimento. Mas a grande questão é a falta de conhecimento da população, sabendo que os transtornos mentais devem ser olhados como doenças físicas, ou seja, as pessoas são acometidas de hipertensão, diabetes, infarto e podem ser acometidas de depressão, ansiedade e esquizofrenia, por exemplo. O importante é perceber que um diagnóstico pode ser dado, um tratamento adequado pode ser realizado, melhorando os sintomas. A possibilidade de melhora para pacientes com transtorno psiquiátrico é uma realidade, mas, para isso, deve ser procurado um local com assistência em saúde mental.
O que leva um determinado grupo estigmatizar outro grupo?
Muitas vezes um grupo estigmatiza outro grupo por não reconhecer as características de si mesmo. Muitas vezes, quando você se considera uma pessoa que não sofre de nenhum problema psiquiátrico, não reconhece a identidade do outro e acaba não reconhecendo suas demandas, desconsiderando o sofrimento do outro. Isso gera preconceito e estigma. É importante, nessa situação, ter empatia, colocar-se no lugar do outro, pois muitas vezes você pode não estar precisando de assistência, mas a pessoa ao seu lado pode estar.
No caso dos pacientes psiquiátricos, que consequência pode haver quando eles são estigmatizados?
Caso haja estigmatização de um paciente psiquiátrico, o mesmo não será estimulado a procurar atendimento, não terá acesso aos serviços de saúde mental e não irá melhorar das suas queixas porque a gente sabe que os transtornos tendem a melhorar quando o paciente está fazendo o tratamento tanto com o psiquiatra quanto com o psicólogo, inclusive com uso de determinadas prescrições.
Helder Gomes de Moraes Nobre é psiquiatra e diretor clínico do Hospital de Saúde Mental, em Fortaleza
Sabemos que os transtornos psiquiátricos melhoram quando há um acompanhamento especializado, há vários estudos comprovando isso e fazemos essa observação nas nossas práticas. O pior agravante é ignorar o sofrimento do outro, evitando que ele tenha acesso ao serviço ou não dê continuidade às recomendações de forma adequada.
Quais são as razões pelas quais as doenças mentais ainda são estigmatizadas? Por que ainda há tanto preconceito?
Muitas vezes você nega o que não faz parte da sua realidade, então, caso você não tenha um transtorno mental, existe a possibilidade de você negar o transtorno mental do outro e achar que aquilo não é relevante. O estigma pode ocorrer em qualquer ambiente. Pode ser no trabalho, quando você não aceita algum colega que tenha alguma repercussão de saúde mental; pode acontecer em casa, quando um pai ou uma mãe não reconhece o transtorno de um filho e retarda a procura por assistência.
Como este preconceito pode impactar no diagnóstico e no tratamento de pessoas com algum tipo de tratamento mental?
O preconceito em relação aos pacientes com transtornos mentais, também chamado de psicofobia, impacta de forma importantíssima no tratamento desses pacientes. Sabemos que as famílias mais abertas ao assunto e que procuram o atendimento de forma mais precoce conseguem um melhor resultado e uma melhora no quadro do paciente de forma mais rápida. Quanto mais precocemente o atendimento for procurado, melhor é o prognóstico e menor é o sofrimento. O preconceito só vai atrasar e piorar, pois impacta no atraso em dar o diagnóstico, no atraso do início do tratamento e em um sofrimento psíquico que vai repercutir não só no paciente, mas também em toda a família.
Quais são as principais doenças mentais que acometem a população atualmente? Ainda há uma resistência na procura por ajuda nestes casos?
Depressão, ansiedade e insônia. Estes são transtornos mentais que estão em crescimento nos últimos anos, principalmente por causa das demandas da sociedade, que está cada vez mais acelerada, com ritmo intenso. Mesmo nesses casos, há uma resistência pela procura por ajuda por várias questões, como o pensamento que apenas “os loucos” devem procurar o atendimento.
Sabemos que pessoas deprimidas, ansiosas e com insônia vão se apresentar preservadas boa parte do tempo, vão conseguir trabalhar nos casos mais leves a moderados, vão conseguir ter um juízo crítico da realidade e, por essas razões, podem menosprezar o quadro
Algumas pessoas chegam a pensar que só sentem esses sintomas quem quer e isso não corresponde à realidade. Os transtornos mentais podem acometer qualquer pessoa e é importante não menosprezar os sintomas.
Por que algumas pessoas sentem receio em buscar ajuda psiquiátrica?
O receio de procurar ajuda psiquiátrica envolve diversas questões. Você, provavelmente, conhece alguém que está em tratamento psiquiátrico, mas esse assunto não é conversado, vira um verdadeiro tabu e cada um vai mantendo suas questões de forma sigilosa. Para ter uma noção dessa dimensão, estima-se que cerca de 25% da população vai apresentar um transtorno ansioso em algum momento da vida e 15% da população vai apresentar um transtorno depressivo ao longo da vida. Temos taxas elevadas na nossa população e essas pessoas precisam procurar o serviço. Como muitas pessoas não falam entre si, gera aquela impressão que apenas você sofre desses problemas. Por questão de estigma, muitos pacientes têm a sensação de que somente eles passam pela situação de sofrimento psíquico, quando sabemos que eles são muito comuns e frequentes na sociedade.
De que forma é possível diminuir o estigma em torno das doenças mentais?
Precisamos realizar um trabalho ao longo dos anos, envolvendo a disseminação de informação sobre os principais transtornos mentais e como eles podem ser abordados, informando sempre sobre as possibilidades de tratamento e que ele é efetivo para os pacientes.
As campanhas de saúde mental também são necessárias, pois, por meio delas, como Janeiro Branco e Setembro Amarelo (que é a maior campanha de saúde mental, pois envolve a abordagem de pessoas com histórico de pensamento suicida), trazem para a população uma melhora dessas questões. Quando conversamos sobre o assunto, passamos a perceber que aquele problema não é somente individual e, desta forma, abre-se um canal para a procura de um atendimento especializado no momento desejado.